Recrutamento militar no Império era ‘caçada humana’ e mirava ‘vadios’ — Senado Notícias


A “caçada humana”, contudo, não era generalizada. Escapavam do recrutamento forçado os ricos e também os pobres que estavam dentro da rede de proteção de algum chefe político local.

No caso dos ricos, a dispensa ocorria porque as leis do Império não exigiam o serviço militar dos jovens que estudavam ou se dedicavam a determinados tipos de trabalho formal. Eles também tinham a possibilidade de pagar uma quantia em dinheiro ao governo para livrar-se do recrutamento.

No caso dos pobres sob proteção, a dispensa ocorria porque quem operacionalizava o alistamento eram as autoridades locais, que evitavam convocar os seus empregados e afilhados políticos e direcionavam a mira recrutadora para os seus adversários.

O senador Holanda Cavalcanti discursou:

— O recrutamento é recomendado às autoridades policiais ou administrativas e não há mais outras regras para o desempenho dessa comissão do que o arbítrio dessas autoridades. Cada um de nós deve saber o que se pratica no recrutamento, as injustiças e favores que se fazem e o quanto é difícil resistir aos pedidos das amizades em favor de um ou outro recrutado. Cada um de nós sabe que a ocasião de um recrutamento é a ocasião de vinganças miseráveis. É ocasião de se vingar daqueles com quem teve suas quizilas [inimizades] e dizer: “Amigo, para o recrutamento. Você assente praça para a Marinha. Você, para o Exército”.

As presas preferenciais das “caçadas humanas” eram os pobres que não serviam a nenhum senhor poderoso. Como muitos deles eram desempregados ou faziam serviços informais ou esporádicos, eram considerados “vadios”.

Normalmente se tratava de escravizados que haviam conseguido a alforria. No Império, nem mesmo a liberdade da população negra liberta estava 100% garantida.

O senador Fernandes Chaves disse que muita gente de bem evitava alistar-se na Exército e na Marinha porque não desejava conviver com aquelas pessoas de má índole:

— Cumpre enobrecer a profissão de soldado, não colocando nas fileiras, como até aqui tem sucedido, homens que são quase sempre as fezes da sociedade.

Na avaliação do senador Bernardo Pereira de Vasconcelos (MG), o serviço militar era uma boa forma de corrigir aquelas “fezes da sociedade”:

— Considero a lei do recrutamento que atualmente vigora no Império uma lei econômica, que tem feito muitos benefícios, porque não só nos tem dado soldados para o Exército, mas tornado trabalhadores muitos homens vadios.

Como primeiro-ministro do Império, o senador Visconde de Paraná (MG) avaliou que, considerando a composição social das Forças Armadas, estava fora de cogitação abolir os castigos corporais:

— A nossa legislação sobre o recrutamento excetua a maior parte das classes que se dão ao trabalho e à indústria, de sorte que o recrutamento recai quase exclusivamente sobre vadios, réus de polícia e mal procedidos. Ora, num Exército que pela maior parte assim se compõe e que talvez seja vantajoso que assim se componha, não é prudente abolir os castigos corporais. Abolindo-se esses castigos, não se poderia manter a disciplina.

O historiador e professor Vinícius Campelo dos Santos, autor do livro A Revolta dos Rasga-Listas: a subversão do recrutamento militar na província de São Paulo (Dialética Editora), explica que foi nessa época que a palavra “praça” entrou no vocabulário militar:

— Como esses vadios ficavam nas praças, onde eram capturados para prestar o serviço militar, os soldados rasos, aqueles sem graduação, passaram a ser conhecidos como “praças”. É um termo que se usa até hoje. Os soldados brasileiros que lutaram na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foram batizados de “pracinhas”.

De acordo com Campelo dos Santos, o recrutamento militar forçado no Império era utilizado pelo poder público, no fim das contas, como instrumento de controle social:

— A população negra, fosse ela escravizada ou liberta, era considerada perigosa. Temiam-se tanto ações criminosas individuais que ameaçassem as elites quanto insurreições ou levantes coletivos que ameaçassem a segurança do Império. O recrutamento forçado da população negra livre era uma forma de mantê-la constantemente vigiada e subjugada.



Fonte: www12.senado.leg.br

Jornal Cometa

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